A
generosidade é uma virtude que diz respeito à matéria e, sobretudo, no dar
partes da sua posse a quem precisa e na quantidade apropriada, tendo em conta a
capacidade da pessoa que dá e as necessidades de quem recebe.
A matéria,
objeto da generosidade, é tudo aquilo que pode ser conquistado pelo dinheiro.
Não falando de riqueza espiritual, de honra ou de glória, mas apenas do que
pode ser feito com dinheiro.
A
generosidade é uma virtude do exercício da dádiva, ato de doação. Distingue-se
da justiça pelo fato de não se limitar dar ao outro aquilo que já lhe pertence,
mas sim aquilo que, sendo nosso, notoriamente faz falta ao outro. A justiça não
é necessária nem essencial à generosidade. Enquanto a justiça é uma virtude que
depende, sobretudo, da reflexão, a generosidade depende, ainda mais, do coração
e do temperamento.
André Comte-Sponville,
nascido em 1952, filósofo materialista francês, distingue, a generosidade da justiça: "é certo
que a justiça e a generosidade têm ambas que ver com as nossas relações com os
outros; mas a generosidade é mais subjetiva, mais afetiva, mais espontânea, ao
passo que a justiça, mesmo aplicada, conserva algo de objetivo, de mais
universal, de mais intelectual ou mais refletido". A pessoa generosa está
num estado de equilíbrio entre a pessoa esbanjadora e a pessoa mesquinha. O
meio termo (generosidade) é uma virtude; a falta e o excesso de generosidade são
vícios, embora a falta de generosidade seja mais viciosa do que o esbanjamento.
Seguindo
a teoria aristotélica da virtude como um estado de meio termo, podemos dizer
que a pessoa mesquinha está mais afastada da virtude do que a pessoa
esbanjadora. A pessoa mesquinha caracteriza-se por gostar muito de receber e
muito pouco de doar. À medida que a pessoa envelhece e se habitua a receber
muito e a doar pouco ou nada, vai transformando essa condição num vício
incurável. A pessoa esbanjadora, à medida que vai empobrecendo, vai
aproximando-se do meio termo. Com um pouco de controle e uma boa orientação, a
pessoa esbanjadora pode tornar-se generosa, mas a pessoa mesquinha tem a
tendência para se afastar, cada vez mais, da generosidade. A pessoa mesquinha é
a que leva a riqueza mais a sério do que a medida que convém. A pessoa
esbanjadora é a que é descontrolada no gastar. A virtude da generosidade é
muito apreciada porque, é mais elogiado e digno de apreço quem dá do que quem
recebe, porque não receber é mais fácil do que dar. Enquanto o generoso sente
prazer no doar, o mesquinho se satisfaz com o guardar e, por vezes, chega ao
ponto de apreciar a obtenção da riqueza a partir de fontes ilícitas.
A
generosidade é uma virtude porque procura finalidades retas, isto é, dar às
pessoas certas, nas quantidades adequadas, no momento certo e da forma correta.
A
mesquinhez é um vício porque visa finalidades baixas, ou seja, guardar para si
o máximo de riqueza, revelando deficiência no dar e excesso no receber. Como é
mais fácil receber do que dar, não admira que seja mais comum a mesquinhez do
que a generosidade. Aquele que dá por obrigação ou sofre ao fazê-lo não pode
ser considerado generoso. O que dá às pessoas erradas, ou não dá com objetivos retos,
também não pode ser considerado generoso. Há algumas condições inerentes ao ato
generoso. Não depende da quantidade que se dá, mas do estado do doador. O que
se dá tem de provir de fontes licitas. Se dá apenas porque se gosta, sem
quaisquer outras finalidades ou razões. O generoso é o que dá de acordo com as
suas posses e em função de finalidades retas. Aquele que dá mais do que pode,
não é generoso mas esbanjador, perdulário. A generosidade é uma média relacionada
com o dar e receber riqueza e a pessoa generosa dá e gasta a quantidade certa e
o faz com prazer. O generoso é mais pronto a dar benefícios do que a receber. A
pessoa mesquinha é deficiente no dar e excessiva no receber, embora não se
apodere, forçosamente, dos bens dos outros de forma ilegítima. Há, no entanto,
algumas pessoas que levam o seu amor excessivo à aquisição de bens até ao ponto
de se apoderarem dos bens dos outros, de qualquer forma. Estão, neste caso,
todos os que exercem profissões degradantes ou os usurários que emprestam
dinheiro a juros elevados. Mais reprováveis, ainda, são os que levam a sua
paixão pela aquisição de bens ao ponto de roubarem, mostrando estar numa
completa dependência dos apetites materiais.
O que
caracteriza a pessoa generosa? "o generoso não é prisioneiro dos seus
afetos, nem de si próprio: pelo contrário, é senhor de si, e por isso o faz sem
desculpas. Basta-lhe a vontade. Basta-lhe a virtude" Há vícios mais
afastados do meio termo e, portanto, da virtude, do que outros. A mesquinhez é
um vício mais afastado da generosidade do que o esbanjamento. Enquanto a
avareza é um vício incurável que se acentua com a idade, o esbanjamento pode
ser corrigido, com controle e orientação espiritual, porque o esbanjador possui
o traço e a motivação desejável do generoso. A pessoa esbanjadora, além do
mais, não parece ser má, se atendermos à noção aristotélica de benefício ou
prejuízo feito a outros pelos vícios. É pacífica a idéia de que a pessoa
esbanjadora não age com a intenção de fazer mal aos outros. Quando muito, pode
acabar por fazer mal a si própria. Contudo, quando o esbanjamento chega ao
ponto de fazer mal, também, aos que dependem da riqueza do esbanjador, então já
poderemos estar perante um vício com dolo, revelador de uma certa
insensibilidade para com quem nos ama e depende de nós. Aquele que gosta de
esbanjar e aquele que é mesquinho têm em comum a partilha do egoísmo. E o que é
o egoísmo? Aristóteles dedica o capítulo XIII do livro II da Magna Moralia à análise do egoísmo.
Começa por referir que o homem de bem pode ter amizade por si próprio, mas isso
não significa que seja egoísta. O egoísta é aquele que, em tudo o que seja
útil, procura apenas o interesse próprio, ignorando os interesses e os direitos
dos outros. A pessoa vil é sempre egoísta, pois essa pessoa age sempre na
defesa do seu interesse e nunca em defesa dos outros. O homem de bem é o
contrário: age em defesa dos outros e é, por isso, que nunca pode ser egoísta.
Claro está que todas as pessoas têm um impulso e uma inclinação para adquirirem
bens e quase todas as pessoas acreditam que são merecedoras de bens, sobretudo
de bens associados à riqueza e ao poder. Mas, o homem de bem sabe reconhecer
aquilo que lhe pertence por mérito e por direito e aquilo que pertence aos
outros. O homem de bem só fica com aquilo que lhe cabe e, em caso de dúvida,
prefere ficar com menos do que aquilo que lhe cabe, porque, como foi sabiamente
referido por Sócrates, “é preferível ser vítima de injustiça do que cometer injustiça”.
O homem egoísta considera que lhe cabe tudo aquilo que lhe for possível
adquirir e nunca crê que pode fazer mal uso dos bens. É, por isso, que os
egoístas quando obtêm muito poder tendem a abusar do poder, pois revelam uma
grande ignorância em relação às suas próprias limitações e defeitos. O que
caracteriza o homem de bem é precisamente a capacidade para renunciar, em favor
dos seus amigos, aos bens úteis e a ser capaz de amar os seus amigos tanto como
ama a si mesmo. Por isso, o homem de bem não é egoísta em relação aos bens
úteis, mas é, de uma certa forma, egoísta, em relação aos bens da alma. Ou
seja, do ponto de vista do útil, o homem de bem prefere o seu amigo, mas do
ponto de vista do belo e do bem, é ele próprio que ele prefere, pois reserva
para si os melhores tesouros, aqueles que dizem respeito ao belo e ao bem, os tesouros
da alma, da sabedoria e da verdade.
Baseado
na leitura de obras de Aristóteles e André Comte-Sponville